O Parlamento Europeu abriu ontem a porta, na sessão plenária que decorre até amanhã em Estrasburgo, em França, a que os metadados das comunicações eletrónicas venham a ser usados com maior facilidade em investigações judiciais no espaço comunitário, incluindo Portugal.
Em causa está a aprovação – ainda a ser conrmada pelo Conselho da União Europeia – de um regulamento que irá obrigar, mediante determinados requisitos, as operadoras de telecomunicações e outros prestadores de serviços a conservarem e entregarem às autoridades judiciárias de qualquer Estado-membro, independentemente do país europeu onde estejam representadas legalmente, provas eletrónicas sobre um suspeito criminoso concreto. A resolução legislativa não está diretamente relacionada com a controvérsia em torno do uso dos metadados pelas Polícias, mas dá já resposta às preocupações que, em 2014, levaram o Tribunal de Justiça da União Europeia a chumbar a diretiva de 2006 que deu origem à lei nacional, datada de 2008 e que por sua vez foi declarada inconstitucional, no ano passado, pelo Tribunal Constitucional.
“Estamos a falar de legislação ao abrigo do que se chama cooperação judiciária. A União Europeia não tem fronteiras de países, genericamente, mas tem fronteiras judiciárias, e o Parlamento Europeu tem vindo a trabalhar, ao longo dos anos, em diplomas diretivas, regulamentos que têm em vista facilitar a administração da Justiça naquilo que são realidades transfronteiriças”, explica, ao JN, o eurodeputado Nuno Melo, um dos relatoressombra do relatório ontem aprovado e que nasceu de uma proposta apresentada, há cinco anos, pela Comissão Europeia.
Serão criados dois novos mecanismos de cooperação: a “ordem europeia de conservação de informações eletrónicas” e a “ordem europeia de entrega de informações eletrónicas”. Ambas abrangerão dados de “assinantes” (nome, data de nascimento, morada e duração de contrato e o IP), “tráfego”, entre os quais “metadados das comunicações eletrónicas, [...] incluindo dados utilizados para rastrear e identicar a origem e o destino de uma comunicação”, e “conteúdo”: “texto, voz, vídeos e som”.
Ao contrário do que acontecia com a lei portuguesa, tal não obriga a uma conservação generalizada de metadados por parte das operadoras, uma vez que as ordens abrangem apenas a informação armazenada à data da sua emissão. O objetivo é que os dados sejam conservados até 60 dias ou entregues até um máximo de dez.
O facto de tudo ocorrer no âmbito de um processo penal especíco e quanto a um suspeito fundado e a possibilidade das operadoras poderem rejeitar as ordens são outras das salva-guardas legais do regulamento.
Embora limitado a casos judiciais e suspeitos específicos, qualquer Estado da UE poder pedir a outro que ceda estes dados é um pouco preocupante. Pode dificultar ainda mais a vida de dissidentes ou críticos dos governos mais autoritários que temos na União.